O
novo edifício do Jardim de Infância D. José C.
Nunes é atravessado a meio por um viaduto de grande circulação...
à saída de um túnel, à beira de um dos cruzamentos mais complexos do
eixo este-oeste
da cidade. Mais do que uma condicionante, tudo isto funcionou como um conjunto
de desafios à Imaginação do projectista, Mário Duque, que na "memória
descritiva " do projecto fala do "papel didáctico" que pode (e
deve) assumir a arquitectura...
Como condição principal teve-se em atenção o efeito perturbador da presença adjacente do viaduto.
Assim, todas as novas edificações a Sul deste eixo rodoviário orientam as áreas
de actividade à Rua da Fonte da Inveja, que será de circulação mais moderada
e de orientação solar mais favorável.
0 espaço sob o viaduto, resultante entre o edifício existente e as
novas construções, que corres ponde ao antigo recreio do Jardim de Infância,
será tratado exclusivamente como enquadramento ambiental e visual que servirá
tanto o meio urbano como o interior das instalações - nomeadamente o corredor envidraçado de ligação entre os dois núcleos
da escola - e não será vocacionado para a permanência de utentes/crianças no
exterior por razões de segurança, razão pela qual parece pertencer ao espaço
público da cidade. [...]
Parece de alguma utilidade considerar que a adaptabilidade
de um programa funcional às actividades desenvolvidas num jardim de infância não
deverá ser resolvida deforma indiferente ao facto de ser no jardim de infância
que ocorrem as primeiras grandes experiências motoras no espaço. Por isso. o
papel da arquitectura poderá ser interveniente ao ponto de assumir um papel didáctico
fornecendo os signos necessários ao estabelecimento de um léxico de
elementos e qualidades espaciais a serem aprendidos directamente da sua experiência,
e no sentido de tornar o espaço apelativo pela revelação e pela aventura.
0 espaço estrutural deverá por isso suportar as crianças
na sua aprendizagem social e sensorial no sentido de despertar uma consciência
espacial, da mesma forma lúdica como outras aptidões são despertadas, nos
registos próprios de cada expressão.
Deste processo de aprendizagem fazem parte a apreensão de relações
espaciais - e aí entenda-se de envolvência nas três dimensões do espaço - de alto/baixo, longo/curto, plano/curvo, direito/inclinado,
continuo/quebrado, claro/escuro, quente/frio, cheio/vazio, interior/exterior,
antigo/novo, objecto, forma e cor como variantes do vocabulário do espaço.
Foram estas as Considerações e Reflexões para um novo
espaço de Jardim de Infância e todas elas remetem às minhas memórias
felizes do Jardim de Infância de João de Deus em Lisboa de quem já existia um
busto neste Jardim de Infância de D. José da Costa Nunes, que será colocado
em lugar de destaque nos arranjos exteriores.
-
Há uma preocupação evidente de "proteger" o edifício dos
"acidentes" urbanos envolventes, que terá eventualmente a ver com a
finalidade da obra. As crianças, lá dentro, estão de facto protegidas das várias
poluições de que enferma a zona?
Em relação ao meio urbano, o edifício é uma concha, sem contudo
resultar deficiente de luz, avistamentos e exteriores. Simplesmente foram
analisadas as influências nefastas e as que poderão resultar em atributos, e
deixar a Arquitectura resolver a equação. Assim, os espaços de utilização
orientam-se para onde o ruído é menor, e a luz mais alegre, e defende-se dos espaços mais ruidosos e poluentes com elementos, física e
plasticamente eficazes. As janelas são sombreadas ou mesmo obscurecidas se a
iluminação for intensa e por ocasiões diversas animam a grande fachada branca
sempre de modo diverso. As janelas são baixas, ou não fossem os utentes crianças,
e equipadas com dispositivos que só habilitam os adultos a comandá-las e mesmo assim devidamente assinalas numa central de segurança. A
grande janela é um pequeno troço de corredor animada pela passagem ocasional
de pessoas, já nos espaços administrativos, que o percorrem e se surpreendem
uma vez mais com o flash da Colina da Guia, aí os carros sobre o viaduto
parecem de brincar.
- Por outro lado, está
concerteza a par das críticas ao facto de alguns interiores se encontrarem
inacabados quando o ano lectivo começou...
De tudo o que foi anteriormente explicado, é obvio que
toda a construção que está por detrás do resultado final é complexa, embora
esteja certo que a síntese final seja simples, como é complexa a arquitectura
moderna no seu vocabulário asséptico. Também estou certo que não tive a
oportunidade de o transmitir aos utilizadores, para além do acompanhamento que
é do âmbito da fiscalização das construções escolares, mas também caberá
aos utilizadores o seu reconhecimento, e a sua apropriação, a partir das condições
proporcionadas.
Com o início das actividades surgiu perturbador a instalação
temporária de duas instituições diferentes, que é um tipo de flexibilidade
que obrigaria a algumas adaptações, que não serão feitas por ser uma situação
temporária. A conclusão posterior do recreio exterior obriga a permanência
temporária das crianças dentro de casa a tempo inteiro, e à utilização da
Sala Polivalente como recreio que, por ser polivalente, tem demasiados
dispositivos que o obriga a ser utilizado com critério, e nunca como espaço
com as características de recreio escolar.
-
Diga-nos
que influências estéticas mais o marcaram na concepção do projecto?
As influências são obviamente Neoplastas ou não fosse
verbalizado aquele janelão virado ao viaduto e logo numa fachada completamente
cega (campo). Também não considero uma influência tardia nem um revivalismo,
antes porém uma estrutura de articulação plástica e funcional que deverá
existir como suporte de qualquer linguagem, e que os Neoplastas verbalizaram
assim porque eram sobretudo didácticos.
in,
Revista
Macau Oct 97, II Nr.66
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